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Conheça mais de perto o CD Amálgama e o trabalho do Duo Nazario. Aqui você encontrará os textos do encarte e entrevistas com os músicos.




Sobre Amálgama
Patricia Palumbo | jornalista, apresenta os programas
Vozes do Brasil e Instrumental Sesc Brasil

Texto publicado no encarte do CD Amálgama


Foi com Jorge Mautner que aprendi que o conceito de amálgama se aplica à cultura brasileira desde os tempos de José Bonifácio. O Patriarca da Independência foi quem primeiro disse que a nossa marca é saber misturar tantas influências, sabores, ritmos e transformar numa coisa única. Assim é com o trabalho do Duo Nazario. Os irmãos Lelo e Zé Eduardo são dois músicos excepcionais e muito diferentes. Os dois tocam muito e quando digo isso não é só tocam muito bem, mas tocam de diversas formas, a partir de diversas fontes, com inúmeros acentos, muita informação sonora. Dos teclados e computadores de Lelo saem ambiências, ruídos, efeitos, melodias incríveis. Da percussão de Zé Eduardo, os ritmos do mundo. Combinação perfeita. Alquimia pura. Sons baseados tanto na música erudita quanto na mágica da improvisação criativa. E a gente sabe que pra essa mistura dar certo há que se ter uma formação sólida e muito talento - nisso os irmãos são iguais.

Amálgama é música pra ouvidos atentos e curiosos, é música eletroacústica, música erudita contemporânea, improvisação do jazz e ritmos brasileiros. Quando assisti o Duo Nazario ao vivo fiquei pensando em como tudo aquilo fora do comum, do conhecido me caía bem. Me senti adequada àquela dodecafonia, aos sons espaciais, timbres malucos e barulhos que Lelo e Zé Eduardo transformavam em música. Porque é como na vida, há dias tortos, há dias estranhos, fora do tom, em outro compasso. Falamos sobre isso depois do show e os Nazario me entenderam perfeitamente. Estávamos na mesma estranha sintonia. Experimente, pode acontecer o mesmo com você ao ouvir este disco.

BlueLine

Música de Invenção
Da produção executiva de Amálgama, Utopia Studio

Texto publicado no encarte do CD Amálgama

Mais do que a fusão de elementos, a música mais inspiradora e inventiva hoje busca dar sentido à experimentação e trazer uma reflexão sobre o intricado mundo contemporâneo. O compositor e pianista Lelo Nazario e o baterista e percussionista Zé Eduardo Nazario são exemplos em que a combinação de virtuosismo e inventividade leva a uma nova elaboração estética que expressa as marcas do nosso tempo.

As trajetórias dos irmãos Lelo e Zé Eduardo se entrelaçam ao longo de quatro décadas. Ainda bem jovens, integraram a banda de Hermeto Pascoal e criaram o Grupo Um, vertente mais ousada e criativa da música brasileira. Juntaram-se ao Pau Brasil e formaram o trio Percussonica. Têm tocado lado a lado em discos, concertos e turnês. Nada mais natural que ir ainda mais fundo nessa parceria.

Partindo de uma formação incomum e uma linguagem contemporânea, o Duo Nazario, formado em 1989, desenvolve um repertório original, integrando música de vanguarda e jazz a recursos eletrônicos e ritmos brasileiros. Com essa proposta, Lelo escreveu uma série de composições, incluindo Limite e Aurora, obras apresentadas pela Banda Sinfônica de São Paulo, ambas para banda sinfônica, sons eletrônicos e o Duo como solista.


“Experimentar múltiplas possibilidades de encontro entre linguagens e universos musicais com total liberdade criativa é o principal conceito de trabalho do Duo”, explica Lelo. “A ideia era criar algo novo com uma formação inusitada que nos dava uma vantagem timbrística”, recorda Zé Eduardo.

Nas mãos de artistas como esses, a fusão de linguagens ganha uma nova relevância e uma expressividade singular. “Muitas composições refletem a enorme quantidade de eventos e informações que é gerada no mundo todos os dias, buscando exprimir em sons todos os aspectos dessa entropia crescente e suas consequências para a vida no planeta”, observa Lelo.

Amálgama incorpora o espírito inventivo e transgressor que avança fronteiras. Uma obra densa e moderna, em que teclados e bateria se somam a elementos de diferentes origens e tradições para produzir uma riqueza de timbres e uma sonoridade intensa e inesperada, com uma estimulante pulsação brasileira. Música de invenção.

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Entrevista e Bate-Papo

Leia trechos da entrevista e do bate-papo conduzidos por Patricia Palumbo com Lelo Nazario e Zé Eduardo Nazario, por ocasião do show do Duo Nazario no Instrumental Sesc Brasil.

Entrevista (antes do show)

Patricia – Quando foi a primeira vez que vocês tocaram em duo?

Zé – [No início da década de 1970, eu e o Lelo…], praticamente ficávamos tocando e estudando o dia inteiro, a gente gostava muito de coisas mais livres, de formas diferentes, então, a gente explorava muita coisa. Eu na bateria e o Lelo no piano. […] O Hermeto [Pascoal] me convidou para tocar com ele em 1973 […] e o Lelo ia assistir aos ensaios. O Hermeto deixava a gente à vontade, então, a gente ficava tocando e o Hermeto ficava lá embaixo, só ouvindo. Às vezes, ele subia com o sax soprano e a gente fazia um free, nós três. Eu já estava tocando com o Hermeto há um certo tempo quando ele precisou de um pianista. Na decisão de quem seria o pianista, entre vários nomes, ele escolheu o Lelo, que tinha 17 anos. Eu tinha 21. […]

Lelo – Eu tinha entrado na faculdade [de física] com 16 anos […]. Quando entrei no [grupo do] Hermeto […], acabei optando por ficar com ele mesmo e fazer as turnês […], já tinha concerto programado. […] Então, quando [eu e o Zé] nos juntamos realmente para tocar, eu resolvi compor mais, entrar mais na música e deixar a física de lado […].

Patricia – Quando vocês formaram o duo pra fazer mesmo um som juntos e começaram a se apresentar?

Zé – Em 1989, montamos um repertório para fazer alguma coisa juntos. Aí, no porão da minha casa na Teodoro Sampaio, começamos a ensaiar e fizemos alguns shows. […]

Patricia – O que marca o trabalho de vocês? Que caminho sonoro vocês buscam nesse duo?

Lelo – As vertentes principais do nosso trabalho são a música contemporânea erudita, de vanguarda, o jazz contemporâneo e os ritmos brasileiros. Música contemporânea na linha de Stockhausen, Berio, a música eletroacústica, a música erudita do século XX e XXI. É essa vertente que eu trago para o Duo. […]

Patricia – Vamos falar desse tema chamado Amálgama, que é também o nome do show.

Lelo – [A música] tem uma base eletroacústica pré-gravada e vários modos gregos sobre os quais a gente toca. O Zé faz um pouco de percussão e efeitos em cima dessa base, que está toda delineada, toda composta com essas divisões dos modos gregos que eu faço no teclado.

Patricia – O que são modos gregos?

Lelo – São escalas. Cada modo grego corresponde a uma escala. Eu compus sete ou oito mudanças, e cada uma acontece sobre um modo grego.

Zé – Eu toco dois pequenos instrumentos de percussão e fico trabalhando como se estivesse amalgamando uma massa. Isso traz um lado teatral para essa composição. Depois, entra o caxixi para dar um ritmo bem brasileiro.

Patricia – O Lelo disse, no disco Africasiamerica, que “o amálgama de sons e sonhos, é só disso que vivem os músicos”. Isto tem a ver com esse tema?

Lelo – Tem a ver sim. Na realidade, eu juntei uma coisa muito antiga, que são os modos gregos, com uma coisa hipermoderna, que é a base eletrônica, com sintetizadores virtuais de última geração […] mais a percussão. O resultado é muito interessante.

Patricia – O interessante nesse Duo de vocês é que tem uma coisa totalmente plugada aqui [o lado eletrônico, os teclados] e a bateria e a percussão que são uma coisa desplugada. É totalmente orgânico. Disso é que vem o diferente que vocês fazem. […]

Lelo – Dessa dualidade, vem uma coisa interessante.

Patricia – Vamos falar de mais um tema, o Velho Mundo Novo? Como é ele?

Lelo – Também tem uma base eletrônica, mas diferente, uma base que tem um baixo muito rápido, em cima do qual a gente começa a criar. A bateria também é muito rápida e eu fico delineando alguns sons no meio disso.

Patricia –Tem momentos em que vocês trocam e você improvisa?

Lelo – Sempre tem. Por exemplo, um tema em que eu praticamente toco coisas muito fixas é O Elo Perpétuo. É um tema totalmente rígido, escrito para os teclados, enquanto a bateria tem uma liberdade muito grande. Eu faço um improviso muito curto e rápido e volto ao tema, que é todo estruturado. Tem de tudo. Às vezes, estou mais fixo na escrita e o Zé está mais livre ou, ao contrário, às vezes, a bateria tem que marcar uma coisa muito definida e eu estou livre para criar.

Veja o vídeo com a entrevista completa no Instrumental Sesc Brasil


Bate-Papo com o Público (depois do show)

Patricia – Enquanto eu assistia ao show, fiquei pensando […] que tem dias que você está meio fora do lugar, meio fora da caixa. Hoje, aqui, a gente saiu completamente fora da caixa. E esse tipo de música que vocês fazem dá exato essa noção, porque é uma dessacralização total daquilo que se está acostumado a ouvir, a processar internamente com facilidade. Então, uma música assim não te deixa quieto. Fiquei ouvindo e pensando e pensando. Foi uma experiência bastante interessante. Lelo, é você quem compõe esses temas, então, como é que você funciona tão fora da caixinha, como isso se dá na sua cabeça de compositor?

Lelo – Acho que nasci assim, meio fora de contexto [risos]. A música, com M maiúsculo, tem também a função de fazer as pessoas pensarem, de fazer elas saírem de sua realidade e entrarem num outro mundo, numa outra realidade. Isso traz, para as pessoas, uma visão diferente do mundo. Se uma pessoa continua ouvindo as mesmas coisas comuns, a vida fica um pouco triste. Então, se você tem uma coisa completamente criativa, diferente, que pode, às vezes, não soar tão familiar, mas, depois, você vai se acostumando com o som, você vai vendo que a riqueza dos sons é muito grande. Assim, você tira uma experiência muito maior desse tipo de realidade musical do que tiraria da música comum. A música tem milhares de vertentes, mas acho que esta música que fazemos também é importante ter e ser divulgada.

Patricia – Zé Eduardo, você que fez parte de trio de Bossa Nova, como é fazer parte desse universo?

Zé – É uma continuação da minha vida musical. Tudo o que fiz, gostei de fazer. Gostei de tocar Bossa Nova, jazz moderno…

Lelo – A Bossa Nova é muito rica também, tem uma riqueza harmônica que vem do impressionismo e do jazz da década de 1950.

Zé – É. Tive a felicidade de poder absorver muitas linguagens musicais […] e eu me identifiquei muito com a música moderna. […] Procurei chegar perto dos artistas que faziam uma música não tão convencional. […] E eu toquei de tudo […]. Eu e o Lelo procuramos achar um caminho nosso, um trabalho que é uma marca registrada nossa, um trabalho que a gente fez ao longo dos anos com o Grupo Um, a nossa contribuição no grupo do Hermeto [Pascoal], no Pau Brasil. Um trabalho que tem a nossa estampa.


Público – Por acaso vocês têm influência de Philip Glass?

Lelo – Philip Glass não. Não gosto da escola minimalista, essa coisa de repetir e repetir e repetir. Embora seja interessante, às vezes, para certos ambientes de filmes, por exemplo. Eu prefiro a escola maximalista, que tem um rol enorme de sons e experiências musicais maiores. Não gosto de pegar uma célula pequena e ficar repetindo ad infinitum. Isso, para mim, não tem sentido. Perguntaram a Stockhausen uma vez o que ele achava do minimalismo e ele falou que essas pessoas fazem essa música para ter paz de espírito, a gente não quer paz de espírito, a gente quer outra coisa [risos].

Público – E Hermeto Pascoal?

Lelo – O Hermeto é um músico incrível, embora a vertente dele seja a do jazz, da música brasileira misturada com o jazz. Ele fez uma coisa muito original nesse sentido. Ele foi o primeiro, talvez, que entendeu como aplicar os ritmos brasileiros à linguagem do jazz. Quando ele chegou aos Estados Unidos foi um choque, porque [os americanos] tinham um conhecimento incrível do jazz, mas Hermeto tocava de uma outra forma ritmicamente, colocando tudo em termos de ritmos brasileiros. Isso é uma mudança total na maneira como você faz as frases.

Patricia – E vocês dois tocaram com ele, né?

Zé – Sim. […] A gente fez parte de um time de músicos que procurava tocar a música brasileira como o bebop, quer dizer, como uma coisa diferente, aberta. […] O que eu procuro é suar muito quando toco. […] Uma música com muita energia. […] Meus ídolos sempre foram os que colocaram energia na música, e o Hermeto tocou muito bem isso nos anos 1960. O primeiro disco que ele gravou nos Estados Unidos, que se chamou Hermeto, me marcou muito e acho que influenciou músicos no mundo inteiro. […]

Público – Como é o processo de composição e construção dos temas e das programações eletrônicas? Como é feita a transposição dos arranjos para a execução ao vivo?

Lelo – Eu componho […] como a velha escola da música eletroacústica, [ou seja], reúno uma série fixa de materiais que pretendo utilizar e começo a modificar esses sons originais no estúdio e a compor uma base. [… ] Na época em que comecei, eu fazia tudo em fita magnética, […] colocando os sons numa sequência predeterminada. Hoje, componho essa trilha eletrônica no computador. Depois, penso no que o Duo vai tocar em cima dessa base, compondo os trechos em que vamos atuar. Penso sempre na maneira erudita de compor esse material eletroacústico. Agora, a maneira de tocar é diferente, porque a gente tem toda essa influência jazzística que muda completamente a maneira de tocar.


Patricia – Tem improviso também na sua interpretação?

Lelo – Tem bastante. Por exemplo, no Grupo Um havia trechos que eu compunha tudo estrito e trechos de poucos compassos em que a gente podia improvisar sobre uma determinada base. Então, a gente tocava coisas escritas, depois free […]. Tudo determinado, mas o improviso, no meio, existe. […] Assim, cria-se um certa dinâmica com partes completamente estruturadas e partes completamente livres em que tudo pode acontecer. Aqui [no Duo], acontece a mesma coisa: partes estruturadas e partes livres. […]

Patricia – Quando você escreve para o Zé Eduardo é a mesma coisa?

Lelo – No Grupo Um, eu escrevia tudo e o Zé lia aquilo e determinava o que ele iria tocar ou não, enfim, tinha essa liberdade. [No Duo], é a mesma coisa: tem uma parte estruturada e ele determina se ele vai tocar aquilo, ou não. Depende dele. É legal.

Veja o vídeo com o bate-papo completo no
Instrumental Sesc Brasil