Grupo Um | A Flor de Plástico Incinerada
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Para Longe da Triste e Brutal Realidade das Flores de Plástico
Irati Antonio

Com A Flor de Plástico Incinerada, o Grupo Um completou um ciclo de intensa criação e deu origem a uma lenda. Seguindo os passos de Marcha Sobre a Cidade e Reflexões Sobre a Crise do Desejo.../, este terceiro álbum ultrapassou os limites mais avançados das convenções musicais, combinando a riqueza rítmica da música popular com as linguagens de vanguarda, tudo com o mesmo espírito inventivo e pioneiro que marcou a trajetória do conjunto e que levou a música instrumental a patamares de criatividade, virtuosismo e ousadia até hoje inigualáveis.

A Flor também contou com um time de músicos excepcionais. Ao redor dos líderes Lelo e Zé Eduardo Nazario, reuniram-se Rodolfo Stroeter, Felix Wagner, ambos colaboradores do grupo desde Reflexões, e Teco Cardoso, que substituiu Mauro Senise nos saxes e flautas. O LP contou também com a participação de Regina Porto narrando texto de Luiz Nazario.

Financiado pelo recém-criado selo Lira Instrumental, fruto de um acordo entre o Lira Paulistana e a Continental, então, a maior gravadora no país de capital totalmente brasileiro, A Flor foi gravado em outubro de 1982 no mesmo estúdio JV em que o grupo gravara Reflexões. “Como de costume, gravávamos em poucas sessões e a mixagem era feita a oito mãos (ou dez, ou doze, dependia de quantas mais coubessem no console...)”, recorda Lelo Nazario. O novo selo prometia a distribuição dos discos em nível nacional e, ao mesmo tempo, a autonomia dos artistas, o que permitiria um crescimento em termos de mercado, que era um grande problema para a produção independente, e que o Grupo Um enfrentara com os dois primeiros discos.

A iniciativa, entretanto, teve um alcance restrito. A Continental, sustentada pelo segmento sertanejo, não estava habituada a distribuir e comercializar uma música esteticamente diferenciada e desconhecida do grande público, como era o caso da música instrumental independente das décadas de 1970 e 1980. O fato é que a distribuição de A Flor, lançado em 1983, foi mais eficiente no mercado europeu do que no brasileiro, em parte por um esforço do Lira Paulistana e, em parte, estimulada pelo lançamento, na mesma época, da edição francesa de Marcha Sobre a Cidade pela gravadora parisiense Syracuse e pela excelente repercussão de público e de crítrica obtida pelos dois primeiros álbuns.

O Grupo Um na Europa

Com todos esses trunfos na bagagem, Lelo, Zé, Rodolfo e Teco embarcaram para uma turnê na Europa em março de 1983. Para começar, o grupo participou do festival Jazz / Musiques à Grenoble, o conceituado festival de jazz de Grenoble, França, no qual foi apresentado como “um dos conjuntos mais apaixonantes da cena internacional”, que praticava “uma música improvisada mesclada de referências contemporâneas, jazzísticas, africanas, e propondo um som totalmente novo”, destacava o catálogo do evento. Ressaltando “o contraste permanente entre os temas de arquitetura sutil e uma tensão rítmica excepcional que o liga a toda a história da música brasileira dentro da linha de Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti”, o Grupo Um “precisa ser descoberto”, complementava o texto.

Naquele ano, o festival se abria à música do mundo, bem como às novas tendências europeias, oferecendo um programa eclético que incluía o conjunto Sun Ra Arkestra, o baixista Dave Holland e o trompetista Freddie Hubbard, entre outros representantes do jazz internacional da época. Entre eles, “o Grupo Um, de música brasileira muito trabalhada mas sem jamais perder o entusiasmo, [fez] um concerto muito curto!”, exclamou Françoise Hulin, na matéria intitulada “Festivals: Grenoble Jazz/Musiques”.

O reconhecimento do talento dos músicos e da riqueza de sua proposta musical pela imprensa francesa marcou toda a temporada do quarteto naquele país. O Grupo Um “encontrou o seu [caminho] na energia sonora entre a música escrita e a improvisação”, destacou a crítica sobre o show, intitulada “Grupo Um: une musique autre” (Grupo Um: uma música diferente), publicada pelo jornal Le Dauphiné Libéré, em 26 de março de 1983. “Os músicos lançam mão de uma música antropofágica que mistura várias culturas, uma música nova”, continuou a crítica. “Por ser nova, a música não é menos entusiasmante, mas é também política. … No caminho estreito, o Grupo Um escolheu uma música livre!”

Depois de uma participação bem-sucedida no festival, e ainda na França, o conjunto fez concertos em Paris, Toulouse e Montpellier, bem como na Association pour l’Encouragement de la Musique Improvisée em Genebra, na Suíça, obtendo ótima repercussão por onde passava.

Em Paris, convidado pelo célebre produtor André Francis, a “voz do jazz” na França – que também produzira um concerto no Space Cardin de outra formação liderada por Lelo Nazario, o Symmetric Ensemble, um ano antes –, o Grupo Um apresentou-se no programa Studio-concert Jazz, da Radio France. “O picante, o sensual e o lírico das raízes brasileiras; a sofisticação da música contemporânea; o feeling urbano do jazz e um toque de raízes africanas. Uma mistura explosiva: o novo jazz de São Paulo”, apontou a jornalista Eliane Azoulay em matéria sobre o concerto, no semanário cultural Télérama. O Grupo Um é “um conjunto fundado com a alma do pianista-compositor Lelo Nazario”.

Também em Paris, o grupo fez apresentações no famoso clube de jazz New Morning, que, em 1983, recebia nomes como Art Blakey, Stan Getz e Sun Ra Arkestra. O Grupo Um dividiu as noites de 15 e 16 de abril na casa com o trompetista Chet Baker. No folheto de divulgação do show, a música do conjunto é apresentada como “sutil e sofisticada, mas também cheia de energia, sensualidade e lirismo. E o virtuosismo instrumental enriquece uma inspiração vigorosa”, destacando Lelo Nazario como “um compositor e pianista apaixonado pela escultura dos sons”.

“Após um enorme sucesso no Festival de Jazz de Grenoble, o Grupo Um, paulista e criado em 1976, é, certamente, a ponta de lança das formações que escolheram se arriscar na vanguarda como campo de expressão”, elogiou o músico e crítico Philippe Bourdin, em resenha sobre o concerto no clube parisiense, publicada na conceituada revista Jazz Hot, em julho/agosto de 1983. A música “permite que a improvisação, muitas vezes, emerja a partir de uma escrita rigorosa, … [e tem] o mérito de ser pessoal e atrair respeito”.

A sua apresentação no clube Cave des Blanchers, em Toulouse, também causou um impacto positivo. “O jazz mais musculoso, mais colorido, mais entusiasmado e mais energético que se ouviu há muito tempo… com um balanço e um senso de jazz incrível”, destacou a então famosa jornalista e produtora de jazz Claude Rachou, conhecida como Nighthawk, em resenha intitulada “Brésil mais pas brésilien!” (Brasil mas não brasileiro!), publicada no diário La Dépêche du Midi, em 13 de abril daquele ano. Lelo Nazario foi descrito como um pianista que possuía “o virtuosismo de um Petrucciani e, ao mesmo tempo, um punch do tipo Carpentier ou Cerdan”. Para a jornalista, o Grupo Um “fazia fronteira com McCoy Tyner-Hancock (via Coltrane) com um cortante estilo free. Decididamente, foi uma surpresa... O Brasil é uma história e tanto. Bravo!”

De volta ao Brasil

Após a temporada europeia, o conjunto retornou ao Brasil para lançar A Flor de Plástico Incinerada. Da mesma maneira como ocorrera com os dois álbuns anteriores, este terceiro LP recebeu elogiosas críticas de importantes veículos da imprensa brasileira. O crítico Matias José Ribeiro não esperou o lançamento oficial para festejar A Flor como “um disco fantástico, absolutamente surpreendente, dos melhores do ano na área instrumental, aqui incluídos os n lançamentos de jazz”. Em sua resenha intitulada “A maturidade de nosso novo som instrumental”, na revista Somtrês, de dezembro de 1982, ele destacou também “um nível de interação e coesão entre os músicos raro de se ver por aqui… o trabalho é sempre coletivo e com alto nível de improvisação”, elogiou, sublinhando o grau de maturidade do álbum.

Ribeiro também não deixou de ressaltar o uso de processos eletrônicos na composição das músicas. Lelo “constroi um brilhante exercício de criação musical com os elementos à disposição dos músicos contemporâneos”, concluiu ele. O mesmo aspecto também mereceu destaque do crítico Roberto Muggiati em resenha na revista Manchete, em 30 de julho de 1983. “A Flor de Plástico Incinerada se mostra mais comprometido com a música instrumental contemporânea, sem nenhum sotaque”, observou. “Lelo Nazario leva adiante suas pesquisas sonoras, abrangendo, além dos teclados, o departamento dos processos eletrônicos”. Para o crítico, “o mérito do Grupo Um, nesta sua nova etapa, é o de incursionar pela música de vanguarda sem cair na monotonia”.

A Flor de Plástico Incinerada aprofunda o uso de elementos eletroacústicos, sons eletrônicos / concretos e sintetizadores combinados com instrumentos acústicos, uma tendência iniciada em Reflexões e uma grande inovação na época. As composições, a maioria escrita por Lelo Nazario, de marcado gosto pela experimentação e pelas formas de vanguarda, são uma mistura de temas únicos e complexos, harmonias sofisticadas, um amplo universo timbrístico e rítmico e muita improvisação. “O Grupo Um pode se considerar um dos melhores grupos surgidos nos últimos anos, pela inventiva, pela condução música/sociedade e o mais importante: a honestidade e o respeito pela arte”, observou Antonio Cavalcanti Netto em resenha na Tribuna de Petrópolis, em 16 de setembro do mesmo ano.

Numa época em que os movimentos estudantis e de grupos políticos de esquerda lutavam contra a ditadura militar e por liberdades democráticas, a arte mais avançada também se engajava na busca por justiça social, subvertendo padrões culturais e propondo novas estéticas. “A música do Grupo Um, assim como toda música que quebra os parâmetros do establishment, carrega um forte apelo estético e político por liberdade e igualdade”, observa Lelo Nazario. “Tínhamos aqui uma ditadura militar extremamente cruel, e todo artista minimamente esclarecido contribuía com a sua arte para se contrapor à situação absurda e brutal pela qual o país estava passando. Com o Grupo Um não foi diferente, o próprio título do nosso álbum de estreia, Marcha Sobre a Cidade, mostra isso. Já no disco A Flor de Plástico Incinerada, a mensagem se dirige contra a massificação da sociedade industrial moderna e suas consequências para a vida no planeta”.

O álbum fala de desigualdades, da voracidade industrial, mas também da esperança e da beleza que podem nos levar para longe da realidade das flores de plástico. “A música tem também a função de fazer as pessoas pensarem, de fazer elas saírem de sua realidade e entrarem num outro mundo”, reflete Lelo. “A música do Grupo Um trazia uma riqueza de sons muito grande. Isso traz, para as pessoas, uma visão diferente do mundo. Você tira uma experiência muito maior desse tipo de realidade musical do que tiraria da música mais comum. Além disso, em termos estéticos, eu trazia a vertente da música de vanguarda do século XX e nosso anseio era por uma total liberdade criativa”.

Esse é o espírito do álbum, que também representou a transição para uma nova fase nas carreiras dos músicos, ao mesmo tempo em que elevou o Grupo Um a um lugar mítico na história da música instrumental no Brasil. “Todos nós estávamos, de alguma forma, produzindo trabalhos em diferentes situações musicais, e percebemos a necessidade de seguir nossos próprios caminhos, tão naturalmente como havíamos sentido a necessidade de realizar o trabalho com o Grupo Um”, recorda Zé Eduardo Nazario.

Uma música viva até hoje

A Flor de Plástico Incinerada coroava oito anos de uma história intensa de pioneirismo, coragem, inventividade e liberdade criativa. “Guardo as melhores recordações, a começar pela convivência que tive com todos os músicos”, conta Zé Eduardo Nazario no encarte da edição do CD. “Nosso processo de criação era sempre muito divertido, gerando uma aura positiva que permeou toda a nossa trajetória e que continua viva até hoje”. É fácil notar que a história do Grupo Um não poderia deixar de ser também uma história de parceria, cumplicidade e amizade. “Havia prazer no convívio entre os músicos”, continua o baterista. “Nos ensaios, colocávamos de maneira natural nossas ideias e nossa energia”.

Uma energia, uma maneira aberta de pensar a música e a intenção de avançar as fronteiras da criatividade davam o tom à proposta do grupo. “Eu e o Zé sempre pensamos em criar um grupo com outros músicos que estivessem nessa mesma sintonia”, recorda Lelo Nazario. E assim encontraram Zeca Assumpção, Mauro Senise e Carlinhos Gonçalves, que “também trouxeram a sua bagagem e suas experiências e contribuíram para o resultado dessa mistura. Depois vieram outros músicos, como Rodolfo Stroeter, Felix Wagner e Teco Cardoso, que compartilhavam conosco essa vontade de levar a música a um outro patamar de criatividade”, complementa o tecladista.

Mauro Senise, que participou dos dois primeiros discos do conjunto, destaca essa mesma sintonia e energia criativa. “O Grupo Um era uma proposta mais avançada”, afirma o saxofonista. “Eu sou cabeça aberta, gosto de música boa. … Em 1979, eles [Lelo e Zé Eduardo] já tocavam à beça. O Grupo Um foi um incentivo muito bacana, encontrei gente que tocava com tesão mesmo, esses dois alucinados tocavam o dia inteiro, música, partitura... muito instigante… o Grupo Um foi fantástico, era tesão puro”.

“Influenciados pelo jazz e pela bossa nova, sem dúvida, mas estávamos procurando outras formas de expressão que pudessem catalizar toda essa nossa energia”, recorda Zé Eduardo. “Buscávamos uma música que reunisse a riqueza rítmica da música popular mais elaborada com a linguagem da música contemporânea erudita e acredito que o resultado que alcançamos mostra isso”, acrescenta Lelo.

O conjunto havia vindo para anunciar uma nova era de inquestionável inventividade e, então, havia chegado a hora de buscar novas fronteiras. Assim, em paralelo à produção de A Flor, Zé Eduardo gravou seu primeiro álbum solo, Poema da Gota Serena, em 1982, enquanto Lelo aprofundava suas experimentações com a música eletroacústica e de vanguarda, também lançando dois álbuns solo, Lágrima / Sursolide Suite, em 1982, e Discurso aos Objetos, em 1984. Por sua vez, Rodolfo, Teco e Felix também passaram a se dedicar a outros projetos. Porém, depois da dissolução do conjunto em 1984, seus caminhos iriam se cruzar novamente muitas vezes nos anos que estavam por vir.

“O mesmo quarteto formado por Lelo, Teco, Rodolfo e eu, com a participação especial de Marlui Miranda, [reuniu-se novamente] entre 1991 e 1998, com o nome de Pau Brasil”, observa Zé Eduardo. Com essa formação, o conjunto lançou o premiado Babel, CD que recebeu o Prêmio Sharp de Melhor Grupo Instrumental e indicação ao Grammy na categoria Jazz. Além disso, Teco Cardoso e Rodolfo Stroeter participaram de outros trabalhos solo de Lelo Nazario. Os próprios irmãos manteriam a parceria em outras formações, como no trio Percussonica, com o guitarrista Felipe Ávila, e no Duo Nazario, cujo álbum Amálgama foi considerado um dos 20 melhores CDs Instrumentais do jazz internacional em 2014.

A edição em CD de A Flor de Plástico Incinerada foi lançada pelo selo Editio Princeps em 2010, completando a trilogia do conjunto em formato digital. Como nos demais relançamentos do grupo, o disco foi remasterizado por Lelo Nazario, sendo acrescido de faixas bônus, que inclui uma composição inédita, e de um livreto com fotos e textos dos irmãos Nazario. “A Flor de Plástico Incinerada mostra com limpidez o refinamento da linguagem forjada pelo Grupo Um”, elogiou o crítico Alexandre Agabiti Fernandez, em resenha no Guia Folha, em outubro de 2010. Uma linguagem “baseada na riqueza de timbres e ritmos e na convivência entre a liberdade de improvisação e a estruturação altamente elaborada das composições, criando paisagens sonoras novas que podem ser líricas, soturnas ou reflexivas – ma sempre potentes”.

O Grupo Um representou uma abertura para o músico brasileiro e estabeleceu um novo padrão de criação, sintetizando a busca constante e sem concessões por uma música livre e atemporal. Hoje, mesmo após décadas do lançamento de seu último álbum, permanece, nas palavras de Fernandez, “a mais radicalmente inventiva formação de música instrumental brasileira”.
A Flor de Plástico Incinerada por Lelo Nazario
Texto publicado no encarte da edição do álbum em CD (2010)

A Flor de Plástico Incinerada representa, para os músicos que participaram do Grupo Um, o fechamento de um ciclo. Buscávamos uma música que reunisse a riqueza rítmica da música popular mais elaborada com a linguagem da música contemporânea erudita e acredito que o resultado alcançado neste disco mostra isso. Para este trabalho, contávamos com a presença de músicos excepcionais, como o pianista e clarinetista alemão Felix Wagner e Regina Porto, com sua voz quente e fria ao mesmo tempo (o timbre rico e cheio e a entonação austera), ideal para narrar o texto de Luiz Nazario. Além destes, o disco marcava também o início da colaboração de Teco Cardoso como flautista e saxofonista, em substituição ao excepcional Mauro Senise. Tivemos também a colaboração de dois dos melhores engenheiros de som, Edgard Gianullo Filho e Sergio Kenji Okuda, que faziam milagres no pequeno estúdio JV, cujo dono era um amigo muito generoso, o compositor Vicente Salvia. Como de costume, gravávamos em poucas sessões e a mixagem era feita a oito mãos (ou dez, ou doze, dependia de quantas mais coubessem no console...). Neste tipo de mixagem em que não tínhamos nenhuma automação, alguns detalhes acabavam se perdendo, apesar de todo o cuidado. Felizmente, nesta nova edição, consegui trazer de volta alguns desses detalhes que estavam escondidos na mixagem original, principalmente na música-título “A Flor de Plástico Incinerada” que é dividida em duas partes: a primeira fala de um mundo desumano, estéril e sem perspectivas, onde a beleza só restaria na visão do horizonte ao longe... Esse mundo pode ser o nosso num curto espaço de tempo e tudo depende dos caminhos que as novas gerações terão de trilhar para construir uma sociedade diferente deste modelo industrial voraz e massacrante que temos hoje no planeta. A segunda parte traz uma esperança de que este caminho pode ser revertido de alguma maneira – neste caso, preferi escrever uma música mais jazzística com partes mais melódicas e um final bastante energético. Em “Sonhos Esquecidos”, uma balada sentimental, o tema é executado com notação proporcional, sem uma fórmula de compasso definida, mas que tende a se tornar uma valsa nos improvisos do sax alto, baixo e piano elétrico. “Duo”, de Rodolfo Stroeter, é uma composição cheia de efeitos de estúdio colocados sobre o baixo acústico e o sax barítono. Alguns dos efeitos, colocados em cascata num rack, eram acionados pelo próprio som dos instrumentos que desencadeavam uma série de modulações, tudo gravado em tempo real, direto para a fita magnética. Já “ZEN”, cujo nome é formado pelas iniciais de Zé Eduardo Nazario, reflete exatamente isso: o Zé multiplicado por dez, tocando variados instrumentos de percussão de diversas nacionalidades, criando uma míríade de ritmos e cores do mundo. A Flor de Plástico Incinerada mostra esse mundo cheio de cores e ritmos que habitamos, mas também cheio de desigualdade, manipulação política e uma mentalidade industrial selvagem, em que todos os esforços são necessários para que não caminhemos, cada vez mais rápido, para a triste e brutal realidade das flores de plástico.

Lelo Nazario, Maio de 2009

MÚSICOS

Lelo Nazario / teclados, processos eletrônicos
Rodolfo Stroeter / contrabaixos
Zé Eduardo Nazario / bateria, percussão, xilofone

Convidados:
Teco Cardoso / sopros
Felix Wagner / clarineta, marimba
Regina Porto / narração


FAIXAS

1. A Flor de Plástico Incinerada (I) / Lelo Nazario
2. Duo / Rodolfo Stroeter
3. ZEN / Zé Eduardo Nazario
4. A Flor de Plástico Incinerada (II) / Lelo Nazario
5. Sonhos Esquecidos / Lelo Nazario

Faixas bônus no CD:

6. Olhos de Plexiglass / Lelo Nazario
7. Sonhos Esquecidos (1º take) / Lelo Nazario
8. A Flor de Plástico Incinerada (II) (1º take) / Lelo Nazario

LP A Flor de Plástico Incinerada (1-5) / Lira Instrumental
Produção: Grupo Um. Gravado em 9/10 e 30/31 de outubro de 1982 no estúdio JV e lançado pelo selo Lira Instrumental, “LP-0003”. Áudio / Efeitos Especiais: Sergio Shao Lin, Edelho Gianullo. Capa: Lelo Nazario. Road-Manager: Alberto 'Batata' Monteiro. Agradecimentos: Wilson Souto Jr., Guga Stroeter, Vicente Salvia, Alaor Xavier, Paulo Pagni, Flavia Calabi e Claudio Leal Ferreira.

Relançamento CD / Editio Princeps
Produção Executiva: Marcelo Spindola Bacha para a Editio Princeps. Masterização Digital: Lelo Nazario no Utopia Studio, abril de 2009. Textos: Zé Eduardo Nazario e Lelo Nazario. Edição de Textos: Irati Antonio. Revisão: Marcelo Spindola Bacha, Irati Antonio e Alex Gitlin. Projeto Gráfico: Rodrigo Araujo e Lelo Nazario. Fotos: Paulo Vasconcellos, Dimitri Lee, Beto Freitas, Lelo Nazario, Mychko Alezander.

Faixas Bônus: faixas 6-8, mesmas sessões do LP.

IMPRENSA

A MATURIDADE DE NOSSO NOVO SOM INSTRUMENTAL
Matias José Ribeiro – Somtrês, dez. 1982

… Sinais dessa maturidade estão nos dois discos que dão início à série de lançamentos sob o selo alternativo Lira Instrumental. Lagrima / Sursolide Suite, LP individual do pianista Lelo Nazario, traz um músico consciente e seguro de seus recursos. …

A Flor de Plástico Incinerada, novo LP do Grupo Um, liderado pelo mesmo Lelo Nazario, é um disco fantástico, absolutamente surpreendente, dos melhores do ano na área instrumental, aqui incluídos os n lançamentos de jazz. … São duas magníficas performances instrumentais, com um nível de interação e coesão entre os músicos raro de se ver por aqui. Não há solos, o trabalho é sempre coletivo, e com alto nível de improvisação. …

“A Flor I” começa com a narração de um poema, que prepara o ouvinte para a torrente sonora que se segue. Sem exageros, na medida exata, Lelo explora seus “processos eletrônicos” e constroi um brilhante exercício de criação musical com os elementos à disposição dos músicos contemporâneos. …



INDEPENDENTES: PAU BRASIL E FLOR INCINERADA
Roberto Muggiati – Manchete, 30/07/1983

… Capa sóbria em dois tons de azul, o 3º álbum do Grupo Um, A Flor de Plástico Incinerada, se mostra mais comprometido com a música instrumental contemporânea, sem nenhum sotaque. Lelo Nazario leva adiante suas pesquisas sonoras, abrangendo, além dos teclados, o departamento dos processos eletrônicos. … e Teco Cardoso (saxes, flautas) oferece solos de um insólito lirismo, em contraste com a atmosfera deliberadamente densa dos temas. O mérito do Grupo Um, nesta sua nova etapa, é o de incursionar pela música de vanguarda sem cair na monotonia.



DISCOS
Antonio Jorge Cavalcanti Netto – Tribuna de Petrópolis, 16/09/1983

… Depois do excelente Marcha Sobre a Cidade gravado em 1979 e Reflexões Sobre a Crise do Desejo…/ de 1981, o Grupo Um, encabeçado pelo tecladista Lelo Nazario, canta instrumentalmente A Flor de Plástico Incinerada… O tema título, do próprio Lelo, se divide um duas partes, na primeira a atonalidade é constante, com recursos eletrônicos … a segunda, mais definida rítmica e melodicamente… Em tempo: o Grupo Um pode se considerar um dos melhores grupos surgidos nos últimos anos, pela inventiva, pela condução música/sociedade e o mais importante: a honestidade e o respeito pela arte.



A FLOR DE PLÁSTICO INCINERADA
Alexandre Agabiti Fernandez – Guia Folha, Folha de S. Paulo, 29/10/2010

Ativo entre 1976 e 1984, o Grupo Um foi a mais radicalmente inventiva formação de música instrumental brasileira. Fundado pelos irmãos Lelo e Zé Eduardo Nazario, o grupo abriu novos caminhos ao combinar a flexibilidade do jazz, a expressividade dos ritmos afro-brasileiros, a escrita rigorosa da música erudita contemporânea e as possibilidades timbrísticas da música eletroacústica. Consagrado pelo público e pela crítica em uma época em que a música instrumental era quase uma atividade clandestina no país, o Grupo Um gravou três discos, todos reeditados em CD pelo selo carioca Editio Princeps.

Lançado originalmente em 1983, A Flor de Plástico Incinerada mostra com limpidez o refinamento da linguagem forjada pelo Grupo Um, baseada na riqueza de timbres e ritmos e na convivência entre a liberdade de improvisação e a estruturação altamente elaborada das composições, criando paisagens sonoras novas que podem ser líricas, soturnas ou reflexivas - ma sempre potentes. …